O DIA QUE JERÔNIMO
ESCAPOU DA MORTE
Primeira parte
Em uma época
distante, ou não, depende do olhar de quem olha. Uma grande siderúrgica situada
no Vale do Paraíba fez uma seleção para contratar funcionários qualificados em
diversas áreas industriais. Testes práticos, psicológicos, exames médicos, eu e
uns 30 funcionários entramos na área de manutenção da empresa. Centenas foram
para outras áreas segundo suas qualificações.
Entres esses funcionários
vieram pessoas de várias partes do país, e muito deles com o caráter duvidoso.
Não posso deixar de falar que a empresa sendo estatal tinha a sua postura
voltada para o social, e ao contratar não queria saber ser o funcionário que
estava contratando era bonzinho ou mauzinho. Sua função na época era; como
posso dizer: tinha uma função mais social do que produtivo, no entanto, mesmo
assim, a empresa na época era a maior produtora de folha-de-flandres da América
latina, quiçá do mundo. Até que ela fazia bem o seu papel de ser uma empresa
voltada para o social, principalmente no alto escalão. Hoje não, diz os
neoliberais de plantão que defendem a riqueza em detrimento ao trabalhador. Principalmente
as entregas das estatais de graça para grupos econômicos.
Não consegui! Fugi
de novo do que era o proposto do texto. Voltando ao assunto das contratações.
Como já disse, entramos em uma grande oficina que fazia a manutenção para a
siderúrgica, confeccionávamos peças de variadas formas e tamanhos em máquinas
de transformação do aço em obra de arte em maquinário como: tornos; fresas;
retificas; mandrilhadoras, etc. Peças para reposição. Pessoas de diversas
qualidades e conhecimento para atender a Usina*. Entre esses grupos de
trabalhadores selecionados tinha um com o nome de Pedro de Tal, não ouso falar o
nome verdadeiro de semelhante indivíduo. 1,75m, cara
carrancuda, nunca ria, e quando ameaçava a sorrir, coisa rara, eu via uma hiena
tentando urrar, cara taciturno, sujeito medonho.
Segunda parte
Na época dessas
contratações a empresa tinha diversos hotéis na cidade para alojar os
funcionários que vinham de longe. Pedro de Tal morava no mesmo hotel que o
carioca, nem preciso dizer que esse apelido era devido alguém pensar que ele
tinha vindo do Rio de Janeiro, poderia até ser, mas esse carioca veio do
Espírito Santo, cara de carioca sujeito não tinha, mas ficou feliz em ser
chamado desse apelido. O Capixaba, é melhor assim, morava com o Tal e mais uns
vinte empregados da empresa no hotel. Tornaram-se amigos inseparáveis, bares, zonas
e outros lugares que capixaba aproveitou para conhecer antes de trazer a esposa
e os filhos para morarem com ele na cidade. ‘Solteiro’, pois, a família no Rio,
solto e livre. Em uma saída dessas com os colegas do alojamento para irem a um
bar para tomarem cerveja, ele e o Tal faziam parte desse grupo. Foi ai que ele
conheceu o outro lado do Pedro de tal. Sentaram em uma mesa e pediram uma
cerveja, o garçom demorou uns cincos minutos para atender a mesa deles. Cinco
minutos! E foi o suficiente para o Tal pular atrás do balcão e esmurrar o pobre
do atendente. A turma “do deixa disso” teve que separar a pendenga, foram
expulsos do bar. Capixaba ficou apavorado com o que presenciara, o cara babava
de ódio por uma simples demora. Como um bom carioca da gema( nunca gostou de
entrar em apuros) procurou afastar-se de Tal individuo. Entretanto, dentro da
oficina continuava normal a amizade deles. Como um bom malandro, fazia a
política da boa vizinhança.
Terceira parte
Um mês! Um mês
fizemos na Usina*. Houve uma mudança na chefia da área, e quem assumiu o nosso
departamento foi o Jerônimo, individuo grande, desengonçado, inteligente,
porém, sem os devidos tratos com os seus subordinados, não era um homem ruim,
somente sem estudo, grosso em suas palavras, não só com seus colegas de
serviço. Como ele chegou à chefia? Antes fez o juramento a entidade eqüina enterrada
no centro da oficina. Relembrando que ele entrou na Usina no início década de
60, veio de Minas, era trabalhador rural, a empresa o pegou no laço e lhe disse:
você vai ser torneiro, e foi, homem inteligente. Tornou-se chefe. E como chefe,
ele chegou perto de Pedro de Tal e disse-lhe: quando é que você vai terminar
essa peça seu filho - da - puta? Nossa! Eu vi o rosto do Tal empalidecer, ele bufou.
Jerônimo disse e saiu, foi gritar com outros. Isso era 2 horas da manhã, turno
de zero hora, ou melhor, da meia-noite as oitos horas da manhã. Pedro de Tal não
fez mais nada naquele dia. E a sorte parecia que estava aquela noite do lado do
Jerônimo, pois, não se aproximou mais do Tal. Eu juro que eu e o Capixaba vimos
a morte em seu olhar. E quando Tal colocou uma barra de ferro ao lado da máquina
e ficou aguardando. Trememos, não fizemos mais nada a não ser aguardar a hora
de ir embora.
Quarta parte
Noutro dia a
meia-noite entramos, vi que Capixaba estava apavorado, ele me disse: Pedro de
Tal está armado, tinha conseguido entrar na portaria da empresa com uma
espingarda calibre 12 em sua bolsa. Como ele entrou armado com a gestapo e os
guardas na portaria? Não sei. Pedro andava sempre com uma bolsa tipo de
professor pendurada ao lado do ombro. E era nessa bolsa que estava à arma, ao
me mostrar ameaçando-me, vi o cano brilhar assustadoramente.
Ao vê-la, o calibre
12, parecia-me ser trinta, meu coração parecia que iria sair pela boca, e
quando ele nos ameaçou, dizendo se eu ou Capixaba o entregasse, aquela noite
nos seriamos o segundo e terceiro em sua lista. Capixaba fazia de tudo para
controlar o ímpeto assassino do famigerado Tal. O sujeito bufava e dizia: hoje
Jerônimo morre.
Como um mistério
da vida, e sem explicação, naquele dia Jerônimo não se aproximou da máquina do
Pedro de Tal. Para mim, parecia que tinha uma parede invisível que o impedia de
chegar até o meliante Tal. As horas foram passando lentamente, minutos a
minutos. Até no final do turno nada aconteceu. Fui para casa parecendo que
tinha levado uma surra de tanto cansaço, stress
da noite. No outro dia Pedro de Tal não apareceu para trabalhar, foi embora do
hotel e da empresa, disse-me Capixaba.
Jerônimo nunca
ficou sabendo que um dia a sua vida esteve por um fio, muito perto da morte.
Ele aposentou meses depois desse acontecimento, e alguns anos depois o Capixaba.
O velho, digo
Jerônimo está aposentado a mais de vinte e cinco anos, velhinho e com saúde, de
vez em quando eu o vejo fazendo caminhada nas ruas do seu bairro. Capixaba vive
hoje com a família em Guarapari, Espírito Santo.
Kaká de Souza
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