sábado, 27 de maio de 2017

O DIA QUE JERÔNIMO ESCAPOU DA MORTE



Primeira parte

Em uma época distante, ou não, depende do olhar de quem olha. Uma grande siderúrgica situada no Vale do Paraíba fez uma seleção para contratar funcionários qualificados em diversas áreas industriais. Testes práticos, psicológicos, exames médicos, eu e uns 30 funcionários entramos na área de manutenção da empresa. Centenas foram para outras áreas segundo suas qualificações.

Entres esses funcionários vieram pessoas de várias partes do país, e muito deles com o caráter duvidoso. Não posso deixar de falar que a empresa sendo estatal tinha a sua postura voltada para o social, e ao contratar não queria saber ser o funcionário que estava contratando era bonzinho ou mauzinho. Sua função na época era; como posso dizer: tinha uma função mais social do que produtivo, no entanto, mesmo assim, a empresa na época era a maior produtora de folha-de-flandres da América latina, quiçá do mundo. Até que ela fazia bem o seu papel de ser uma empresa voltada para o social, principalmente no alto escalão. Hoje não, diz os neoliberais de plantão que defendem a riqueza em detrimento ao trabalhador. Principalmente as entregas das estatais de graça para grupos econômicos.

Não consegui! Fugi de novo do que era o proposto do texto. Voltando ao assunto das contratações. Como já disse, entramos em uma grande oficina que fazia a manutenção para a siderúrgica, confeccionávamos peças de variadas formas e tamanhos em máquinas de transformação do aço em obra de arte em maquinário como: tornos; fresas; retificas; mandrilhadoras, etc. Peças para reposição. Pessoas de diversas qualidades e conhecimento para atender a Usina*. Entre esses grupos de trabalhadores selecionados tinha um com o nome de Pedro de Tal, não ouso falar o nome verdadeiro de semelhante indivíduo. 1,75m, cara carrancuda, nunca ria, e quando ameaçava a sorrir, coisa rara, eu via uma hiena tentando urrar, cara taciturno, sujeito medonho.

Segunda parte

Na época dessas contratações a empresa tinha diversos hotéis na cidade para alojar os funcionários que vinham de longe. Pedro de Tal morava no mesmo hotel que o carioca, nem preciso dizer que esse apelido era devido alguém pensar que ele tinha vindo do Rio de Janeiro, poderia até ser, mas esse carioca veio do Espírito Santo, cara de carioca sujeito não tinha, mas ficou feliz em ser chamado desse apelido. O Capixaba, é melhor assim, morava com o Tal e mais uns vinte empregados da empresa no hotel. Tornaram-se amigos inseparáveis, bares, zonas e outros lugares que capixaba aproveitou para conhecer antes de trazer a esposa e os filhos para morarem com ele na cidade. ‘Solteiro’, pois, a família no Rio, solto e livre. Em uma saída dessas com os colegas do alojamento para irem a um bar para tomarem cerveja, ele e o Tal faziam parte desse grupo. Foi ai que ele conheceu o outro lado do Pedro de tal. Sentaram em uma mesa e pediram uma cerveja, o garçom demorou uns cincos minutos para atender a mesa deles. Cinco minutos! E foi o suficiente para o Tal pular atrás do balcão e esmurrar o pobre do atendente. A turma “do deixa disso” teve que separar a pendenga, foram expulsos do bar. Capixaba ficou apavorado com o que presenciara, o cara babava de ódio por uma simples demora. Como um bom carioca da gema( nunca gostou de entrar em apuros) procurou afastar-se de Tal individuo. Entretanto, dentro da oficina continuava normal a amizade deles. Como um bom malandro, fazia a política da boa vizinhança.


Terceira parte

Um mês! Um mês fizemos na Usina*. Houve uma mudança na chefia da área, e quem assumiu o nosso departamento foi o Jerônimo, individuo grande, desengonçado, inteligente, porém, sem os devidos tratos com os seus subordinados, não era um homem ruim, somente sem estudo, grosso em suas palavras, não só com seus colegas de serviço. Como ele chegou à chefia? Antes fez o juramento a entidade eqüina enterrada no centro da oficina. Relembrando que ele entrou na Usina no início década de 60, veio de Minas, era trabalhador rural, a empresa o pegou no laço e lhe disse: você vai ser torneiro, e foi, homem inteligente. Tornou-se chefe. E como chefe, ele chegou perto de Pedro de Tal e disse-lhe: quando é que você vai terminar essa peça seu filho - da - puta? Nossa! Eu vi o rosto do Tal empalidecer, ele bufou. Jerônimo disse e saiu, foi gritar com outros. Isso era 2 horas da manhã, turno de zero hora, ou melhor, da meia-noite as oitos horas da manhã. Pedro de Tal não fez mais nada naquele dia. E a sorte parecia que estava aquela noite do lado do Jerônimo, pois, não se aproximou mais do Tal. Eu juro que eu e o Capixaba vimos a morte em seu olhar. E quando Tal colocou uma barra de ferro ao lado da máquina e ficou aguardando. Trememos, não fizemos mais nada a não ser aguardar a hora de ir embora.



Quarta parte


Noutro dia a meia-noite entramos, vi que Capixaba estava apavorado, ele me disse: Pedro de Tal está armado, tinha conseguido entrar na portaria da empresa com uma espingarda calibre 12 em sua bolsa. Como ele entrou armado com a gestapo e os guardas na portaria? Não sei. Pedro andava sempre com uma bolsa tipo de professor pendurada ao lado do ombro. E era nessa bolsa que estava à arma, ao me mostrar ameaçando-me, vi o cano brilhar assustadoramente.

Ao vê-la, o calibre 12, parecia-me ser trinta, meu coração parecia que iria sair pela boca, e quando ele nos ameaçou, dizendo se eu ou Capixaba o entregasse, aquela noite nos seriamos o segundo e terceiro em sua lista. Capixaba fazia de tudo para controlar o ímpeto assassino do famigerado Tal. O sujeito bufava e dizia: hoje Jerônimo morre.

Como um mistério da vida, e sem explicação, naquele dia Jerônimo não se aproximou da máquina do Pedro de Tal. Para mim, parecia que tinha uma parede invisível que o impedia de chegar até o meliante Tal. As horas foram passando lentamente, minutos a minutos. Até no final do turno nada aconteceu. Fui para casa parecendo que tinha levado uma surra de tanto cansaço, stress da noite. No outro dia Pedro de Tal não apareceu para trabalhar, foi embora do hotel e da empresa, disse-me Capixaba.

Jerônimo nunca ficou sabendo que um dia a sua vida esteve por um fio, muito perto da morte. Ele aposentou meses depois desse acontecimento, e alguns anos depois o Capixaba.

O velho, digo Jerônimo está aposentado a mais de vinte e cinco anos, velhinho e com saúde, de vez em quando eu o vejo fazendo caminhada nas ruas do seu bairro. Capixaba vive hoje com a família em Guarapari, Espírito Santo.

Kaká de Souza


Palavra-chave: carioca, usina, seleção, expectativas, doze, armas, Tal.

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