A INFIEL CONSUETUDINÁRIA
- Deixa-me ai em frente
-Aqui está bom para você?
-Sim
-Vamos nos ver de novo?
-Não sei, pode ser.
-Me liga então, tchau
-Tchau
Desço perto da
praça, no centro, e vejo o carro sair lentamente. Sai do motel há poucos
minutos, ainda estou com o cabelo molhado. Tenho que aguardar secar. Não pelo
meu marido, sim pelas fofoqueiras do condomínio.
Sou uma infiel,
me reconheço como quase uma prostituta, quase; pois não cobro para dar prazer e
obte-lo. Mal conheci o cara que me deixou aqui e fui para o motel. Meti gostoso
durante três horas.
16 anos de
casada, dezenas de amantes, ou centenas. Gosto disso, não que o meu marido
mereça, longe disso, bom marido, um excelente pai para os meus filhos. Bom até
demais.
Eu nasci assim,
ou melhor, fizeram-me assim. Nasci nessa cidade Barra do Pirai, meus pais,
avós, bisavós etc. cidade podre, de pessoas podres. Cidade dos antigos barões
do café, de negrinhos bastardos, de escravos judiados.
Cidades dos
urubus vejo-os rodeando a praça a procura de carniça. Sinto os olhares deles
sobre mim. E nesse momento sinto como se fosse uma carne podre ambulante, eles
também, aves negras e agourentas.
Sentada em
frente a Igreja Nossa Senhora de Santana, ainda com os cabelos úmidos. Tem momentos
que odeio tudo, filhos, esposos, meus amantes, principalmente após o gozo. Meu
marido não, esse não presta para nada, nem para ser odiado.....ou melhor,
presta sim; para pagar as contas e principalmente meus gastos supérfluos. Ganha
bem, gerente de uma multinacional na cidade. Mete mal.
Tornei-me assim,
vazia mentalmente e fisicamente, fisicamente não! Tenho um belo par de coxas,
seios firmes. Sinto-me completa por dentro somente ao sentir os líquidos
quentes sendo injetados pelos meus amantes.
Filha de pais
filhos da puta tornou-me uma puta sem consciência e podre. Por fora um
recipiente admirado por muitos. Por dentro esse vazio intenso, um corpo interno
e niilico.
O que dizer de
uma criança que aos 10 anos recebeu de madrugada a visita do seu pai em seu
quarto. Ele deitou e alisou-me. Conversava no meu ouvido, eu via minha mãe
olhar entre a fresta da porta. Dois anos ele tentando, até que fui estuprada com o consentimento da minha mãe. Aos quinze
anos já tinha aprendido todo tipo de sacanagem com ele. Para se vingar da minha
mãe não deixava meu pai ir para a cama dela. Ameaçava contar para os vizinhos
se por acaso ele tivesse algum contato com ela. Vingança pura, pois, adquirir
um asco tão grande por ele, tinha dia que eu fazia vômitos, porém, tinha dias
que gostava de dar para ele para sentir os olhares de mágoa da minha mãe. Ela
morreu definhada na cama com câncer no estomago e de tanto desgosto ao me ver
trepando com o marido dela. Eu sentia um prazer mórbido ao deitar com o safado
ao lado dela enquanto ela gritava de dor. Ela que quis assim. O velho dedo-duro
e pedófilo morreu há um ano. Espero que os dois estejam no inferno de Dante e
que tenha passado por todas as fazes ruins. E que lá permaneçam por toda a
eternidade.
Lembro-me do meu pai desgraçado
contando vantagem de sua traição.
“Hoje entreguei mais um para a
“gestapo*”.
Ele trabalhava
em uma empresa Siderúrgica e dava-se para a ditadura: uma espécie de “cabo
Anselmo”
Nos anos de
chumbo no Brasil ele trabalhava em uma grande empresa siderúrgica estatal que
fica a 30 km dessa cidade. Cidade aonde ficava essa empresa era considerada pelos militares como área de
segurança nacional. A função do fdp do meu era infiltrar e anotar tudo. E quem
tinha ideias “subversivas” ele entregava para os investigadores da empresa para
tomar a medida necessária para tirar o trabalhador de sua função e prende-lo. Muitas
dessas pessoas sumiram da área e da cidade. Inimigos dentro da empresa meu pai
não tinham. Ele sempre dava um jeito para que isso não acontecesse.
E quando acabou
a ditadura, empresa foi privatizada, ele permaneceu entregando quem era favor
de greves, e quem participava. Meu pai nasceu para ser dedo-duro. Meu bisavô
era assim, meu avô trabalhava diretamente com o Filinto Miller, um sujeito
ordinário da Ditadura Getulista. E quando Felinto foi substituído pelo general
Alcides Etchegoyen ele continuou com a mesma tarefa. E o filho do meu bisavô foi um dos
responsáveis pela prisão e morte do escravo Manuel Congo. Está no sangue a sina
de filhos das putas. E eu não fugi muito dessa regra quase consuetudinária. Essas
lembranças são constantes em minha vida.
Eu traio a mim
mesmo, meu marido e meus filhos. Sou infiel com prazer. Sinto o alvoroçar dos
meus cachos louros, já estão secos. Vou andando bem devagar em direção do meu
apartamento. Na portaria vejo um sorriso cínico do porteiro, deve ser
impressão. No elevador a velha fofoqueira do local.
-Boa tarde dona Laila, a senhora
madrugou.
-Foi preciso- Disse-lhe. Fui
educada.
Minha vontade
era dizer para ela: por que a senhora não vai dá esse seu cu gordo, velha
fofoqueira. Ah! Um dia vou dizer isso a ela.
Já em casa, meus
filhos devem estar na piscina do condomínio, normal para um domingo à tarde.
No quarto, meu marido corno
tirando uma sesta.
Olho para aquela
carne fofa e gordurosa. Nojo? Não tenho já me acostumei. Chego à janela e olho
para baixo, ao longe, à Igreja Nossa Senhora de Santana. Os urubus descarnam prazerosamente
um cachorro podre dentro do Rio Paraíba do Sul.
Gestapo*”: Grupo de
investigadores da empresa que agiam como se polícias fossem.Torturavam
quaisquer suspeito de atitudes contrária ao sistema instalado.
Kaká de Souza
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