quinta-feira, 24 de junho de 2010

*O português


Esse caso quem me contou é um ex-taxista de nome Silva, velho de olhar vivaz, diz ele, um sobrevivente. Hoje ele é dono de um bar perto de minha casa, quando posso paro no local para ouvir seu causos do tempo que era motorista nas ruas da cidade onde moramos, vou relatar um desses, segundo ele, e em sua voz:

Coitado do Manuel. Como o nome diz, ele era português radicado no Brasil a mais de trinta anos, grandalhão, olhos verdes, bom sujeito, honesto ao extremo. Isso mesmo! Honesto, digo-lhes com ênfase que você vai-me entender o porque, explico esse honesto: devo dizer-lhe que trabalhei mais de trinta anos como motorista de táxi, não estou dando volta: só para situar o contexto do acontecido. Nas ruas da cidade (1) ganhávamos a vida como motorista. Conheci o “Portuga” no ponto de táxi. Sujeito alegre, jovial, bom motorista e um excelente amigo. Tem mais: ajudou no aumento da população da cidade e na miscigenação municipal, pois, como seus antigos antepassados colonizadores do Brasil; o nosso “Portuga” também adora uma negra. Casou com uma.

Como vocês podem notar era um típico brasileiro. Coitado do pobre do meu amigo. Como já disse não querendo ser repetitivo, ele era tão honesto que alguém deixasse uma caixa de fósforo dentro do seu táxi procurava para entregar.

Manuel cansou de procurar clientes para entregar objetos esquecido por eles no interior do seu autocarro, como ele gostava de chamar seu táxi. Lembro-me de uma maleta 007 esquecida por alguém no interior do seu autocarro com dólares, nem procurou saber a quantia, foi atrás do passageiro de memória fraca entregando-lhe a maleta, digo mais, não quis aceitar nenhuma recompensa pela sua honestidade. “Ora pois, não é meu tenho que devolver” dizia para nós. Não pestanejo, foi o sujeito mais honesto que conheci em minha vida: no entanto para os vermes (2) não.

Estávamos no ponto conversando eu, o “Portuga” e outros, ah!....Esse ponto ficava em frente à antiga Casa da Banha, na Vila, que na época o mercado estava em pleno funcionamento. Como o carro do nosso malfadado amigo estava na frente, um casal se aproximou e entrou em seu autocarro (táxi).

Vou relatar o que fiquei sabendo por ele e acreditei é claro. O casal pediu para leva-los para o Retiro, atravessou o Rio Paraíba, e na rua principal do bairro eles pediram para estacionar. Conforme o pedido Manuel ficou aguardando,......5 minutos.......10 minutos. Já nervoso com a demora viu o casal vindo correndo em sua direção gritando para ele ligar o carro. Ouviu uma voz gritando “pega ladrão”. Ficou apavorado, a mulher apontou um revolver em sua direção e o fez levá-los para o bairro Belo Horizonte, na subida do bairro o casal parou e o mandou ir embora. Fez o sinal da cruz virou o carro e retornou apavorado com uma intensa dor de barriga. Como sua casa ficava no meio do caminho e a poucos metros da delegacia entrou correndo em casa e foi direto para o banheiro. Logo após alguns minutos saiu pisando nas nuvens. Foi para o ponto. Esqueceu de dar parte do acontecido. Coitado do “Portuga”

Não demorou muito, chegou à polícia e o prendeu por assalto e cumplicidade. A senhora que foi assaltada viu a placa do seu táxi. Não adiantou ele negar. Apanhava e ouvia: “cadê seus cúmplices?”. Não tenho cúmplices, seu policial, dizia. A sua negativa deixava os vermes mais nervosos ainda, apanhou tanto, socos nos rins, no peito, no fígado. Foi torturado durante horas. Depois de dias presos foi solto. Triste e marcado pela tortura voltou a trabalhar. Não durou muito, morreu meses depois desse acontecimento. Coração fraco, teve um infarto fulminante.

*Esse conto foi recortado do livro CANCRO SOCIAL, de Kaka de Souza.

(1)A cidade que passa a história fica no interior do estado do Rio de Janeiro, Vale do Paraíba, mais precisamente em Volta Redonda, a cidade do aço”

(2) “ Só para esclarecer esse “vermes” o ex-taxista Silva não gosta de quem usa farda, ou melhor, policiais, militares. Disse-me que foi muito perseguido durante a ditadura, pois com a ideologia americana a cidade tornou-se Área de Segurança Nacional, os policiais da sua cidade ganhou poderes acima da lei, e os ‘Cabeças de Tomate’ (Milícia criada pela ditadura para vigiar a cidade, e que muitas vezes agia como policiais) o perseguia. Esse causo ocorre em plena ditadura militar. Como é normal na cidade muitos dos antigos moradores eram alienados. E muitos ainda os são até hoje e vive com a falsa ideia que na época da ditadura a cidade era bem mais segura, pois os militares tomavam conta de tudo, inclusive dos moradores” Quando alguém chega perto dele e fala isso ele explode em um furor sem igual.

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