quarta-feira, 7 de julho de 2010

*O MENDIGO


(......)“No canto da cela o negro, não tão negro, nem branco. Todavia, seu cabelo de Jimi Hendrix sem cuidado o deixava com uma aparência suja. O mendigo parecia ter saído do Lendário Festival Woodstock direto para a minha delegacia. Com os olhos claros dava-me a certeza que ele tinha um pai tão branco quanto o meu. Corpo franzino e curvado pela idade. Nada disso importa para mim. Meu ódio por aquele mestiço de branco com crioulo só aumentava”

“A lembrança da cena da minha filha sendo abraçado por ele, não pensei, dei-lhe um chute na barriga. O negro caiu para o lado gemendo de dor. Virei para o policial Alcântara:”

“Amarra esse safado na grade - disse-lhe.”

“Mas, doutor............”

“Você me ouviu seu imbecil - fui grosso, ele era o responsável pela visão tenebrosa que presenciei”

“Orientei para que amarrasse o mendigo com os braços e as pernas abertos, do jeito de que eu gostava. Naquele momento confesso que o passado voltou forte no meu presente. Segurei em sua cabeça:”

“O que você fez com a minha filha seu filho – da - puta?”

“O mendigo virou o rosto para mim”

“Nada douto, juro - disse tão baixo que quase não consegui ouvi-lo”

“Aquele português arcaico me deixou mais irritado. O esmurrei violentamente o estômago, rosto e partes baixas”

“Doutor o senhor vai matá-lo. Tentou alertar o Alcântara”

“Fica quieto, senão você será o próximo. Vi o terror estampado na cara do policial com a minha ameaça”

“Pega o alicate lá na gaveta para mim, agora! Gritei ao vê-lo hesitar, meu hálito quente e respingos de salivas foram direto parar em seu rosto. Não demorou”

“Olhei fixamente na cara do safado do mendigo”

“Se você não contar o que fez com a minha filha, juro que irá sofrer muito, vai pedir para morrer. - Vou arrancar-lhe todas as unhas dos dedos das mãos e dos pés, desgraçado”

“O mendigo ficou em silêncio, para mim aquele olhar era de culpa no cartório. Lembrava muito bem de ter visto no rosto de presos nos porões do CODI. Era culpado, se não fez nada com a minha filha, estava pensando em fazer, eu cheguei antes que ele cometesse o ato”

“Delegado vou sair, não quero ser cúmplice disso - disse-me o policial”

“Pode sair seu bosta, e dá um jeito nesse cão que não para de latir”

“Fiz nada não delegado - disse o mendigo olhando para mim”

“Não seu filho - da – puta? - Agarrei em suas mãos e com o alicate fui arrancado bem devagar a unha do seu indicador direito”

“Fala desgraçado, o que você fez ou tentou fazer com a minha menina”

“Ele olhou para mim com os olhos lacrimejante de dor”

“Nada..............”

“Vai continuar negando seu merda? Agarrei-lhe a mão sangrando, segurei o polegar e bem lentamente fui puxando a unha que foi se deslocando da pele, o sangue espirrava em minha roupa. Fui usufruindo do prazer de ver as lágrimas escorrer pela face do negro sujo, estava feliz em ver tanta dor naquele olhar. Não gritava, o desgraçado era resistente”

“Para! Para! Não quero ouvir mais nada. Gritei ao ouvir tamanha barbárie. Como a entrevistadora do delegado não aguentei, senti a dor do mendigo na pele”

“O delegado olha firme para meu rosto e disse furioso”

“A senhorita viaja mais de 700 km para entrevistar-me sobre minha antiga atividade no DOI CODI, eu me propus contar alguns fatos e você não aguenta um simples relato de tortura, que aspirante de jornalista é você? Isso acontece diariamente nas prisões brasileiras”

“Mas, é............”

“Mas nada, esquece a entrevista, você não tem estômago disse-me e saiu em direção do curral” (.....)

Esse fragmento foi recortado do livro O CARRASCO, O ENJEITADO e EU, de Kaka de Souza.

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