sexta-feira, 23 de julho de 2010

* Arigós

* Arigós

(.......)Ao sair do trabalho seu rosto ainda queimava pela bofetada que tomara horas antes, agora doía muito mais devido a humilhação sofrida pelo chefe incompetente que ele ajudou a tirar o diploma na UFF. Ao sair na portaria sentiu vontade de parar o carro em frente de um das dezenas de traileres no canteiro, entre a Avenida dos Trabalhadores e a BR-393, vontade de se embriagar, de chorar. Estacionou, de dentro ficou pensando se descia ou não, parou diante de uma barraca tendo um plástico preto de cobertura, com sujeiras espalhadas pelo chão, um homem com roupa mais imunda ainda fazendo churrasco com mais sebo do que carne, bêbados aguardando ao lado da churrasqueira com copos cheios de aguardentes em suas mãos e jogando hálitos salgados e salivas venenosas sobre a churrasqueira.

Mais adiante outros traileres do próprio material da empresa produzido pelos trabalhadores que bebiam no local. Esses recintos não eram menos sujos que as barracas. Kombi caindo aos pedaços encostada ao meio fio da Lúcio Meira vendia pasteis feitos em óleos que há anos não eram trocados. Quem os comia sabia que iria ter azia durante horas, mas insistia mesmo assim.

Do carro Oswaldo via que todos os locais estavam lotados de funcionários de sua empresa cometendo as mesmas heteroagressão juntamente com os empreiteiros, os uniformes se misturavam, muito diferentemente do ambiente interno da siderúrgica, ali no canteiro um ambiente sujo, no entanto, democrático, todos queriam tirar o gosto de veneno da boca, benzeno, carvões, gases mortais incolores e inodoros. Estavam salvos por hoje.

Todos os dias eram assim, principalmente a noite. Oswaldo conhecia muito dos trabalhadores dos quais estavam bebendo e degustando salgados passados e insossos. Quase diariamente ao entrar na siderúrgica via na saída e na entrada os mesmo homens bebendo, não iam para suas casas, os traileres eram seus lares, donde eles se embebedavam lubrificando por dentro com cervejas e aguardentes de péssima qualidade, faziam suas necessidades físicas em volta do lugar onde estavam, sem vergonha de mostrar suas genitália flácidas e impotente, os gases tinham feito esse trabalho. Muitos não iam para seus lares para não ser obrigado a cumprir o deve matrimonial, deixavam outros cumprirem, eles, fingia nada saber. A hipocrisia fazia parte de suas vidas.

Esses “infelizes” quando iam para casa depois de dias trabalhando, e bebendo nos bares e traileres na entrada da empresa, diziam para a família que o chefe os obrigou a trabalhar sem poder sair, mas, os filhos e as mulheres sabiam onde eles estavam. Às mulheres suspiravam de satisfação quando eles voltavam para o trabalho, não aguentavam o cheiro de cevada azeda misturada com benzeno expelido pela urina, as quais deixava os banheiros podres.

Oswaldo ouvia muitas histórias dentro a empresa os “arigós (1)” contavam para ele. Mas o imaginário do trabalhador criava situações no mínimo vexatórias para os próprios. Eram verdades? Como saber? Contudo, a turma da noite lhe contava dos bilhetes deixado na porta da geladeira por algumas mulheres para quando o marido chegar após o término do turno da noite ler: “Fui à feira, volto logo, não demoro, beijos amor”. Porém, por qualquer imprevisto ele tinha que voltar para casa de madrugada encontrava esse bilhete preso na geladeira, lia o recado, disfarçava e saia de mansinho em direção dos traileres. Era feliz assim.

Oswaldo gostaria de ficar, sentir esses cheiros de urina e fezes misturados com gases tóxicos que entravam pelas janelas do carro, todavia, não tinha disposição. Ligou o carro e partiu levando consigo o rosto queimando e sua covardia. Ele mesmo tinha mais de seis anos que não fazia sexo. A Libido diante da sua gorda e frígida mulher tinha sumido. Mesmo sendo um "staff" dentro da empresa ficando o tempo todo dentro do escritório, provavelmente foi afetado também pelos gases. (......)


*Esse fragmento foi recortado do livro PERSONA, de Kaka de Souza ainda em correção

(1)Arigó: nome de um pássaros em alusão a diversos Imigrantes de outros estados da federação que vieram de longe para construir a Siderúrgica Nacional. Na cidade pode se usado como ofensa ou elogio, depende da maneira que a palavra é colocada no contexto.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Tronco




Cortes profundos nas costas, o chicote zune nas mãos do senhoril,
horas sob o sol, sangue escorrendo em cinde.
Sina desgraçada da pele diferente que sofre com açouteira diabril,
surras não o obrigará a ser mais um escravo: um vimbunde,
preso ao tronco, o mesmo que seu pai se extinguiu,

Recusa-se a ser um homem coisificado.
Ele sofre. Ele pensa. Ele sangra,
apanha mais, o chicote sibila nos braços do senhor, estala nas costas do negro,
dor ele não sente mais. Recusa-se! Do senhor ele zingra
Não será mais o reprodutor do homem que vendem seus filhos e denigra

A mão do homem cansa, braço ordinário que o fere e feriu os filhos do entroncado.
O chicote nas mãos do irmão negro zune, 1, 2, 3.......20 chicotada. Recusa-se!
Eles cansam. Em sua face um sorriso nubívago.
Sol escaldante queima dolorosamente a sua pele. Diz: “Refusaste-me”

Secam os sangues das feridas, seus filhos e irmãos da senzala choram suas dores.
Hoje não, hoje ele não quer morrer. Amanhã quem sabe?
Anoitece, surgem as primeiras estrelas.
A lua reluzente clareia o tronco. O negro. O supliciado
O sangue entranha no chão de terra vermelha,

Aqui nessa terra nada nascerá. “Ele queria”
A casa do senhor aparece tenebrosa em sua visão turva.
Na senzala que a muitos foi sua moradia,
choram a dor, a lua ilumina os rostos da caterva.

Nas faces dos seus irmãos ele vê as lágrimas fluindo.
Como testemunha silenciosa um azul intenso estrelado céu a fruir
Em sua visão obumbrada, a vida e a esperança acaba perdendo.
Alvorada, ainda vive, o corpo dói intensamente, o sangue volta lhe fugir

Recusa-se! Não fará mais filhos para se tornar ele: escravos, filhos mortos,
Lágrimas se misturam com o sangue espargido. Diz ele: “maldito branco”
Murmura: Recuso-me! A lua se foi, surge um alvorecer absorto.
Os negros preparam-se pra colher o fruto: café fatíloquo
São conduzidos em frente ao tronco, ele é o exemplo, negro apanha, fortifica-se o medo.

Em sua frente, olhares triste, choram a seco, entre eles já não fluíam mais lágrimas.
A vida presa ao tronco está se esvaziando, indo embora a fecundez
Recusa-se! Sua cabeça cai p’ro lado; não se acaçapas.
Os filhos, e os irmãos se revoltam enfrentam seus algozes e matam o capataz.

O senhor vai p’ro tronco ao seu lado, mortes; nos olhos maus o estupor.
Suspiro, chão vermelho com sangue do escravo, do feitor e a família do senhor,
nego-me......neg.........murmura . Os pretos choram chocho. Lamenta a sua morte e a dor.

Kaka de Souza

quarta-feira, 7 de julho de 2010

*O MENDIGO


(......)“No canto da cela o negro, não tão negro, nem branco. Todavia, seu cabelo de Jimi Hendrix sem cuidado o deixava com uma aparência suja. O mendigo parecia ter saído do Lendário Festival Woodstock direto para a minha delegacia. Com os olhos claros dava-me a certeza que ele tinha um pai tão branco quanto o meu. Corpo franzino e curvado pela idade. Nada disso importa para mim. Meu ódio por aquele mestiço de branco com crioulo só aumentava”

“A lembrança da cena da minha filha sendo abraçado por ele, não pensei, dei-lhe um chute na barriga. O negro caiu para o lado gemendo de dor. Virei para o policial Alcântara:”

“Amarra esse safado na grade - disse-lhe.”

“Mas, doutor............”

“Você me ouviu seu imbecil - fui grosso, ele era o responsável pela visão tenebrosa que presenciei”

“Orientei para que amarrasse o mendigo com os braços e as pernas abertos, do jeito de que eu gostava. Naquele momento confesso que o passado voltou forte no meu presente. Segurei em sua cabeça:”

“O que você fez com a minha filha seu filho – da - puta?”

“O mendigo virou o rosto para mim”

“Nada douto, juro - disse tão baixo que quase não consegui ouvi-lo”

“Aquele português arcaico me deixou mais irritado. O esmurrei violentamente o estômago, rosto e partes baixas”

“Doutor o senhor vai matá-lo. Tentou alertar o Alcântara”

“Fica quieto, senão você será o próximo. Vi o terror estampado na cara do policial com a minha ameaça”

“Pega o alicate lá na gaveta para mim, agora! Gritei ao vê-lo hesitar, meu hálito quente e respingos de salivas foram direto parar em seu rosto. Não demorou”

“Olhei fixamente na cara do safado do mendigo”

“Se você não contar o que fez com a minha filha, juro que irá sofrer muito, vai pedir para morrer. - Vou arrancar-lhe todas as unhas dos dedos das mãos e dos pés, desgraçado”

“O mendigo ficou em silêncio, para mim aquele olhar era de culpa no cartório. Lembrava muito bem de ter visto no rosto de presos nos porões do CODI. Era culpado, se não fez nada com a minha filha, estava pensando em fazer, eu cheguei antes que ele cometesse o ato”

“Delegado vou sair, não quero ser cúmplice disso - disse-me o policial”

“Pode sair seu bosta, e dá um jeito nesse cão que não para de latir”

“Fiz nada não delegado - disse o mendigo olhando para mim”

“Não seu filho - da – puta? - Agarrei em suas mãos e com o alicate fui arrancado bem devagar a unha do seu indicador direito”

“Fala desgraçado, o que você fez ou tentou fazer com a minha menina”

“Ele olhou para mim com os olhos lacrimejante de dor”

“Nada..............”

“Vai continuar negando seu merda? Agarrei-lhe a mão sangrando, segurei o polegar e bem lentamente fui puxando a unha que foi se deslocando da pele, o sangue espirrava em minha roupa. Fui usufruindo do prazer de ver as lágrimas escorrer pela face do negro sujo, estava feliz em ver tanta dor naquele olhar. Não gritava, o desgraçado era resistente”

“Para! Para! Não quero ouvir mais nada. Gritei ao ouvir tamanha barbárie. Como a entrevistadora do delegado não aguentei, senti a dor do mendigo na pele”

“O delegado olha firme para meu rosto e disse furioso”

“A senhorita viaja mais de 700 km para entrevistar-me sobre minha antiga atividade no DOI CODI, eu me propus contar alguns fatos e você não aguenta um simples relato de tortura, que aspirante de jornalista é você? Isso acontece diariamente nas prisões brasileiras”

“Mas, é............”

“Mas nada, esquece a entrevista, você não tem estômago disse-me e saiu em direção do curral” (.....)

Esse fragmento foi recortado do livro O CARRASCO, O ENJEITADO e EU, de Kaka de Souza.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

REVERSO DO AMOR

Amá-la como amei; amor louco, paixão
Gostaria de tirá-la d’alma, ter força,
movê-la do meu coração,
X’vecaria de amor que me endorsa

Fluía como todo grande amor flui;
calmo, carente, as vezes silencioso,
Doía, não como agora dói

Diz para todos: estamos apaixonados.
Grande diferença entre está e ser
Poderia ser: somos apaixonados
Matiz suave, brigas, ciúmes que malfazer

Intransigências de ambas as partes,
Início dos nossos momentos Kafkiano.
Ingerência nas pequenas niilidades
Entres eles tudo minado.
Paciência, tempo, amor e vivacidades...

Kaka de Souza
Doce amor contínuo

Lua leitosa que ilumina as nossas faces em acriso,
Garota de sorriso fácil e inocente
Doces emoções que transporta-me p’ra o paraíso.

Sol generoso que bate em seu corpo bronzeando-te
Moça ardente de sorriso aconchegante,
Arrebatamento que faz meu coração zumbar fortemente,
Curvas generosa nas quais perdi-me

Noite amorosa e inebriante
Amor doce indissolúvel,
Mulher formosa, minha vampe,
De corpo sinuoso, leitoso charavel

Kaka de Souza

sexta-feira, 2 de julho de 2010

HOJE: ALIENAÇÃO PARENTAL (2)*


Henriques é uma pessoa boa, inteligente, bom filho, trabalhador, espírita convicto, com uma fé imensa em sua crença e em Deus. Conhece e já leu praticamente todos os escritos de Chico Xavier. É palestrante sobre o renascimento do espírito e quando tem oportunidade discorre sobre sua religião. Acredita piamente na reencarnação. Sua fé, sua vida. Faz palestra em quase todas as igrejas Espírita do Vale do Paraíba. Sendo muito requisitado. Claro que tem outro modo de ganhar a vida, trabalha em uma imobiliária em um município do Vale Paraíba.

Mas como a vida não é simples e nunca será. Há 8 anos atrás conheceu Hilda, a mulher que acreditava que era a sua cara-metade, acreditava! A moça pertencente a uma família católica praticante e zombeteira.

Durante algum tempo foi feliz com a esposa. Digo, durante 2 anos teve uma vida mais ou menos tranquila, apesar das piadinhas constantes da família de Hilda. Sua crença era sempre motivo de piadas quando a família da mulher estava reunida em sua casa. Sorria tristemente. Seu silêncio era a sua resposta.

Nasceu Hernâni, menininho lindo, fofo, a alegria do pai e da família. Deu-se o começo de sua agrura, a mulher não deixava o pequeno Hernâni sair com ele. A família iniciou o afastamento do filho da presença do seu genitor.

Aos 4 anos o pequeno Hernâni tinha medo do pai, pois, acreditava que o pai era uma pessoa ruim. A família de Hilda e a própria colocou na cabeça do filho que o pai tinha parte com a coisa “ruim”, enfatizando para a criança que o pai era “macumbeiro”. Sem contar os restantes de absurdos praticados para afastar o filho da presença paterna. O medo do garoto era tanto que não ia mais para o colo do pai. A religião de Henrique tinha tornado um empecilho para ele se tornar um pai. Digo que o empecilho foi causado nas mentes doentias da família de Hilda.

Para piorar a situação o sogro de Henrique foi a um encontro religioso, não da sua Igreja católica, e sim de uma igreja protestante famosa por chutar santos católicos e outras atitudes radicais contra as demais religiões.

No local o pai de Hilda foi cercado por um grupo de “crentes facciosos”, desmaiou. Ficou desacordado durante horas e quando voltou a si tornou-se mais um crente fervoroso e radical contra as demais crenças. O genro Henrique tornara-se para ele a personificação do mal em pessoa. O pobre do filho do Henrique foi e continua sendo o maior prejudicado.

Hilda fazia de tudo para que o marido passasse para a religião da sua família. A briga em casa se tornou constante. Ela brigava com o pobre Henrique que tentava manter um casamento que não tinha mais jeito. Fique claro que sua mulher brigava! Ele em silêncio. Sabia se saíssem daquela casa perderia o direito de ver o pequeno Hernâni crescer. Suportou durante muito tempo.

Certo dia estava em casa em seu quarto preparando para mais uma palestra quando ouviu uma balburdia na sala, ao sair para ver o que era, várias pessoas juntamente com o seu sogro vieram em sua direção com as mãos para cima dizendo-lhe que iria tirar o demônio do seu corpo.

Sentiu-se humilhado com tais acontecimentos, pois seu Deus não é melhor ou pior que o Deus da família da esposa, se sentiu mal. “Será que esse Deus que vive no seu coração que só quer o bem e diz que o amor ao próximo é o caminho para a salvação do Gênero humano é ‘o demônio que habitava em seu interior?’

“Meus Deus no meu coração é o diabo que manda segundo esses fanáticos. Mas como? Pois eu procuro fazer sempre o bem. Essas pessoas querem tirar essa entidade que eles dizem que é o mal do meu corpo, não posso ficar mais aqui, nessa casa”

Estas conjecturas passaram rápido pela sua mente ao sentir pressionado pelo grupo de “crentes.” Sua fé o salvou. Saiu de casa. Deixou tudo com a mulher, roupas, livros e o seu maior tesouro: o filho.

Anos se passaram, arrumou uma mulher que professa a mesma religião que a sua, vive feliz com ela, quer casar, contudo, Hilda faz de tudo para ele não ser feliz. O divórcio lhe negou. Apesar dos contratempos ele deposita a pensão do filho na conta da mulher todos os meses.

Hernâni cresce e vê seu pai como um estranho, “a Alienação Parental” foi tão forte que o filho não gosta nem de aproximar. A salvação de Henrique é a sua imensa fé em Deus. Reza sabendo que um dia isso vai mudar, pode não ser nessa vida, mas um dia......................

*Esse conto foi tirado do livro CANCRO SOCIAL, de Kaka de Souza.